terça-feira, 3 de maio de 2016

FANTASIA


FANTASIA
Gabriel Paolini Carvalheiro

É sempre tudo igual. Só rotina. Dia após dia, hora após hora, minuto após minuto, segundo após segundo. Nunca muda. Sempre, o grande e fino fazendo uma volta por minuto, o médio e médio uma volta por hora e o pequeno e grosso duas voltas por dia. Eu sou o maior representante da rotina.
Fico sempre na vertical, logo acima do criado-mudo, logo abaixo do teto, grudado na parede, que esquenta e esfria o tempo todo. Ao redor de mim há sete suadros, duas pinturas, três fotos e duas impressões de pinturas. As molduras dos quadros são todas de madeira bem clarinha, e a minha é de madeira bem escura. O criado-mudo retém sobre si uma pequena escultura em forma de pássaro, e é preto. Ao seu lado há uma cama de solteiro, onde, todo dia, um homem cansado, se deita a uma hora, sete minutos e trinta e dois segundos. As cinco horas, quarenta e sete minutos e vinte e três segundos, isto é, vinte e três minutos depois de tocar um alarme em seu celular, ele se levanta, olha assustado para mim, pula para o outro lado da cama, onde há um armário preto, que ele abre com rapidez, pega o bolinho de roupa social e veste-a com pressa. Ele corre para a porta do quarto, que fica no pé da cama e é verde, assim como todas as paredes e o teto, calça seus chinelos de número trinta e oito-trinta e nove, e sai do quarto sem ao menos fechar a porta, deixando exposto um papel de parede listrado de azul e branco. E então tudo fica imóvel, exceto eu, até o homem voltar ao quarto, fechar a porta, e cansado se deitar novamente para dormir, assim recomeçando o ciclo da rotina.
Mas isso só acontece pois eu sou daqui, do mundo do cosmos, reinado pelo universo, onde tudo, gira e gira e gira em ciclos o tempo todo. Eu poderia ser do mundo da fantasia, onde o que reina são os desejos realizados, onde não há rotina. Mas não posso. E por que não? Porque existem os mecânicos. E os mecânicos são escravos dos médicos, que são intrusos, impostores que vêm do mundo da fantasia e que fingem ser humanos, para afastá-los de fantasia.
Os médicos… Eles são as pessoas que cuidam dos humanos, como é que…? Exato. É exatamente assim que os médicos impedem os humanos de ir à fantasia. Os médicos fizeram os humanos acreditarem que a rotina é a única coisa que ela não é: boa.
E então eles disseram que as drogas alucinógenas são ruins, porque não deixam pessoa seguir com a rotina, mas na verdade são estas drogas alucinógenas, que quando fazem os humanos “morrerem” os levam à fantasia, assim como quando nós, os eletrônicos (relógios, computadores, celulares, TVs, tablets, controles remotos, e etc.), molhamos nossos circuitos e “quebramos”, também vamos à fantasia. Mas os mecânicos não deixam. Logo eles vêm para nos “consertar”.