FANTASIA
Gabriel
Paolini Carvalheiro
É
sempre tudo igual. Só rotina. Dia após dia, hora após hora, minuto após minuto,
segundo após segundo. Nunca muda. Sempre, o grande e fino fazendo uma volta por
minuto, o médio e médio uma volta por hora e o pequeno e grosso duas voltas por
dia. Eu sou o maior representante da rotina.
Fico
sempre na vertical, logo acima do criado-mudo, logo abaixo do teto, grudado na
parede, que esquenta e esfria o tempo todo. Ao redor de mim há sete suadros,
duas pinturas, três fotos e duas impressões de pinturas. As molduras dos
quadros são todas de madeira bem clarinha, e a minha é de madeira bem escura. O
criado-mudo retém sobre si uma pequena escultura em forma de pássaro, e é preto.
Ao seu lado há uma cama de solteiro, onde, todo dia, um homem cansado, se deita
a uma hora, sete minutos e trinta e dois segundos. As cinco horas, quarenta e
sete minutos e vinte e três segundos, isto é, vinte e três minutos depois de
tocar um alarme em seu celular, ele se levanta, olha assustado para mim, pula
para o outro lado da cama, onde há um armário preto, que ele abre com rapidez,
pega o bolinho de roupa social e veste-a com pressa. Ele corre para a porta do
quarto, que fica no pé da cama e é verde, assim como todas as paredes e o teto,
calça seus chinelos de número trinta e oito-trinta e nove, e sai do quarto sem
ao menos fechar a porta, deixando exposto um papel de parede listrado de azul e
branco. E então tudo fica imóvel, exceto eu, até o homem voltar ao quarto,
fechar a porta, e cansado se deitar novamente para dormir, assim recomeçando o
ciclo da rotina.
Mas
isso só acontece pois eu sou daqui, do mundo do cosmos, reinado pelo universo,
onde tudo, gira e gira e gira em ciclos o tempo todo. Eu poderia ser do mundo da
fantasia, onde o que reina são os desejos realizados, onde não há rotina. Mas
não posso. E por que não? Porque existem os mecânicos. E os mecânicos são
escravos dos médicos, que são intrusos, impostores que vêm do mundo da fantasia
e que fingem ser humanos, para afastá-los de fantasia.
Os
médicos… Eles são as pessoas que cuidam dos humanos, como é que…? Exato. É
exatamente assim que os médicos impedem os humanos de ir à fantasia. Os médicos
fizeram os humanos acreditarem que a rotina é a única coisa que ela não é: boa.
E
então eles disseram que as drogas alucinógenas são ruins, porque não deixam
pessoa seguir com a rotina, mas na verdade são estas drogas alucinógenas, que quando
fazem os humanos “morrerem” os levam à fantasia, assim como quando nós, os
eletrônicos (relógios, computadores, celulares, TVs, tablets, controles
remotos, e etc.), molhamos nossos circuitos e “quebramos”, também vamos à
fantasia. Mas os mecânicos não deixam. Logo eles vêm para nos “consertar”.